4 anos sem Elean Thomas

Há quatro anos, Elean Thomas, escritora e ativista jamaicana, era mais uma baixa nas fileiras dos que enfrentam as injustiças com as armas da poesia.

Elean Thomas certa vez declarou: “Não posso fazer nada com a vida, exceto vivê-la. Não gosto de ficar pelas beiradas”. Mulher dinâmica e incansável; socialista incondicional, permaneceu comprometida com seus ideais, seja em sua Jamaica natal, seja na Tchecoslováquia, onde permaneceu durante os anos últimos da guerra fria, seja em Brixton, sul de Londres, acompanhando o marido, Lord Gifford, advogado radical que representou a família do jovem James Wray (22), assassinado por oficiais britânicos no famoso Bloody Sunday (1972).

Elean nasceu em St Catherine, Jamaica, “o resultado da união”, segundo ela mesma, “entre uma pacata, digna e batalhadora mulher de classe trabalhadora e um religioso, arrojado e combativo homem de classe média”. Seu pai, David Thomas, era bispo pentecostal; sua mãe, trabalhadora da área da Saúde. Elean começa a estudar política e história na Universidade das Antilhas (UWI – University of the West Indies) no fim dos anos 60 e, duas décadas mais tarde, completa a pós-graduação em Comunicações no Goldsmiths College, em Londres.

Depois da UWI, ela trabalhou como repórter para o Jamaica Gleaner. Com a eleição do Partido Nacional Popular, de Michael Manley, em 1972, uniu-se ao Serviço de Informação Jamaicano.
Foi da diretoria da Associação Jamaicana de Imprensa e co-fundadora do Partido dos Trabalhadores da Jamaica [Workers Party of Jamaica – WPJ], um grupo marxista iniciado por Trevor Munroe, respeitado acadêmico, o qual considerava Elean como uma das mais proeminentes figuras de sua geração. Como secretária internacional do WPJ, fez parte do corpo editorial do World Marxist Review, com sede em Praga. A partir da então comunista Tchecoslováquia, ela cruzou a Europa, estabelecendo fortes laços também na África do Sul.

De volta à Jamaica, encabeçou a campanha contra a invasão americana à Granada em 1983. Em 1984 teve seu primeiro encontro com Gifford, quando o convidou para falar a um comitê de direitos humanos que ela fundou a partir do episódio da invasão.

Começou a escrever poesias, como admitiria anos depois em uma entrevista ao The Guardian, no começo dos anos 70. Promover a igualdade de direitos das mulheres era o manto que ela sentiu ter herdado de figuras inspiradoras como Queen Nanny, ou Nanny dos Maroons, uma figura emblemática da luta anti-escravidão na Jamaica.
A primeira coletânea de poesias de Elean, World Rhythms From The Life Of A Woman (1986), foi publicada pela Karia Press, editora de propriedade de Buzz Johnson, autor da versão original deste artigo. Ela preferia o termo “cadência de palavras” [word rhythms] à “poesia” para designar seu trabalho, uma homenagem à mãe, que “Sempre deu seu melhor / contra toda diferença / e que me lega / um herança de dignidade e luta /contra toda diferença” [tradução minha].

always tries her best
against all odds
and who bequeaths me
a heritage of dignity and struggle
against all odds.

Em 1988, a Karia Press publica a segunda coletânea, Before They Can Speak Of Flowers. O clamor ao qual a obra foi dedicada chamou a atenção e ganhou o respeito e a admiração de artistas de reggae revolucionários, do Congresso Nacional Africano, de partidos comunistas da Grécia e do Iraque, da Organização pela Libertação da Palestina e diversos grupos anti-opressão.

Em 1991, o romance de Elean “The Last Room” recebe o prêmio Ruth Hadden de melhor romance publicado na Inglaterra [obs.: não encontrei na web referências a este prêmio para ela, apenas a Tim Pears (em 93) e Andrew Cowan (em 94)]. Também trabalhou em “Uma ópera reggae africana” [An African Reggae Opera], composição performática envolvendo poesia, canção, música e relatos orais.
Seu casamento termina em 1998, do qual permanece com uma filha adotiva.

Elean Thomas, nascida em 18 de setembro de 1947, faleceu em 27 de maio de 2004.

::: tradução/adaptação de S. H. Brincher a partir do artigo de Buzz Johnson, publicado em 31 de julho de 2004. Publiquei, neste mesmo blog, outro texto sobre ela, Canção de amor de uma negra.

Elean Thomas "Canção de amor de uma negra"

Dia desses eu tava conferindo a minha comunidade Poesia Africana no Orkut e uma moça perguntou sobre um certo poema que ela havia lido em um livro chamado Alfabetização cultural, que foi escrito por um grande amigo [o Dan Baron]. O poema original é em Inglês e a tradução foi feita pelo Dan especialmente para o livro em questão. É de uma poeta jamaicana, Elean Thomas, que casualmente faleceu uma semana antes dessa moça me perguntar sobre o tal poema. Não é africana, apesar de que Josue Yrion não sabe disso, mas indiretamente tem tudo a ver com a concepção deste blog: uma voz feminina, pós-colonial e diaspórica. Fora isso, é um poema que eu raramente consigo ler sem deixar escapar uma lagrimazinha de canto de olho. Mas sem deixar ninguém ver, lógico…
Ei-lo.

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Elean Thomas (1947-2007); Jamaica.
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Canção de amor de uma negra
[Black Woman’s Love Song]

Eu te cantei canções de amor
enquanto eles nos jogaram
juntos
entre as baratas e os ratos
no porão do navio negreiro.

Eu te cantei canções de amor
quando naquele buraco fétido
eu te ajudei a ficar vivo
para enfrentar a luta no novo mundo.

Eu te cantei canções de amor
quando eles nos colocaram
à venda no leilão
e te levaram para o leste
me arrastando para o norte.

Eu te cantei canções de amor
entre os meus gritos
de dor
te implorando
Por favor nunca te esqueças de mim.

Eu te cantei canções de amor
quando eles me levaram
para ser sua concubina
e te levaram
para ser seu garanhão.

Eu te cantei canções de amor
até quando eu deixei
de ser a concubina deles
mas não pudeste deixar de ser
seu garanhão.

Eu te cantei canções de amor
quando a backra-massa ¹
nos jogou pra fora de nossas terras
pagas com nosso suor e sangue.

Eu te cantei canções de amor
quando tu disseste
“Se não podemos vencê-los
vamos nos unir a eles”
e ficaste com a backra-missus ².

Eu te cantei canções de amor
quando tivemos nossas cabeças
quebradas
juntos
nas demonstrações pelo direito
de falar, de fazer greve
de politizar
de organizar.

Eu te cantei canções de amor
quando tu choraste no meu peito
e eu esfreguei ervas medicinais
nos teus ferimentos
ambos
esquecendo
que os meus próprios intestinos estavam rasgados
e rasgados de feridas.

Eu te cantei canções de amor
quando pegamos em armas
contra o inimigo
para resgatar nossa dignidade.

Eu te cantei canções de amor
mesmo quando tu renegaste
o nosso filho
concebido com a tua semente apressada
disparada no meu útero
num dia de folga.

Eu te cantei canções de amor
depois da guerra
quando trabalhamos juntos
para reconstruir um povo inteiro
e um país livre.

Eu te cantei canções de amor
quando tu me disseste
que eu já não era esperta o suficiente
para freqüentar os jantares de Estado
para os quais tu já eras convidado.

Eu continuo te cantando
canções de amor
mesmo quando canções de ódio
ameaçam sufocar até a minha alma.

Eu te canto canções de amor
homem-negro
para que tu possas entender
que eu te quero
forte
do meu lado
me cantando canções de amor também.

In: BARON, Dan. Alfabetização cultural. São Paulo: Alfarrábio, 2004. (Tradução do autor)

Notas:
¹ O latifundiário na Jamaica.
² A esposa do latifundiário.