Não é só kuduro: “Death Metal Angola” [documentário]

Musicalmente, tudo que Angola parece nos oferecer, aparentemente, é o kuduro. Ao menos é esse o cenário pintado pela mídia internacional nos últimos anos. Quem conhece a música angolana sabe que há muita estrela nessa constelação. Já faz um par de anos que o rap angolano, por exemplo, vem ganhando alguma projeção. Masta, NGA, Mister K, Cage 1 e Abdiel são nomes que já ecoaram em terras brasileiras com alguma frequência. O Buraka Som Sistema [formado por portugueses e angolanos], cuja sonoridade eles mesmos apelidaram de “kuduro progressivo”, flerta com o dub, o ragga e o próprio hip-hop, dando uma cara mais “universal” ao frenético ritmo eletrônico angolano. É certo que o BSS já disfruta do que se pode chamar de fama depois de sua passagem pelo Rock in Rio 2011 e Abril Pro Rock 2012.

Entretanto, como em qualquer outro país onde são escassos os recursos a grandes estúdios de gravação, a instrumentos musicais acessíveis e a meios de divulgação nos canais convencionais, há uma comunidade que, através da colaboração mútua, do faça-você-mesmo e do desejo de se expressar através da música, mantém acesa a chama. Hardcore, metal, rock e todas as subdivisões desses gêneros: há tudo isso em Angola, e é disso que trata “Death Metal Angola“, documentário de Jeremy Xido sobre a cena underground do rock angolano.
O filme estreou em dezembro no Dubai International Film Festival e será exibido no Rotterdam Film Festival nos dias 28 e 29 de janeiro. Esperemos que logo possamos vê-lo nas telonas por aqui também. Abaixo disponibilizamos o trailer oficial e uma playlist com a trilha sonora oficial.

 

Aires Almeida Santos – Meu Amor da Rua Onze

Imbondeiro at sunset

[Imbondeiro, árvore símbolo de Angola; foto de Miguel Costa]

Aires Almeida Santos nasceu em Bié,  Angola, em 1921, falecendo em 1992 na cidade de Benguela. Recebeu instrução primária em Benguela e secundária em Nova Lisboa e Sá de Bandeira. Esteve preso por atividades ligadas ao MPLA. Fixou-se em Luanda em 1961, trabalhando como contador de algumas empresas. Em 1970 ingressou no jornalismo. Foi co-fundador da União dos Escritores Angolanos – UEA.  Sua obra poética é constituída de dois únicos livros:  Meu Amor da Rua Onze (Lisboa: Edições 70, 1987) e  A Casa (Lubango: edição do autor, 1987). Seu poema mais conhecido, publicado pela primeira vez em Mákua – Antologia Poética, vol 3 (Sá da Bandeira: Publicações Imbondeiro, 1963), é justamente o que dá título ao seu primeiro livro. Meu Amor da Rua Onze não é, como muito da produção poética do período, nenhuma peça de vanguarda; tampouco pertence ao rol dos textos angolanos que buscavam, de alguma forma, denunciar o colonialismo ou tratar das injustiças do regime. É um poema de amor, simples e nostálgico, mas que tem como principal característica a musicalidade. Pois foi justamente este o elemento que motivou este post. Em uma busca aleatória por poemas musicados na web, deparei-me com esta versão em ritmo de semba feita pelos angolanos da Banda Maravilha. O vídeo contém legendas com a letra em Português e Inglês.

Tantas juras nós trocámos,
Tantas promessas fizemos,
Tantos beijos nos roubámos
Tantos abraços nós demos.
Meu amor da Rua Onze,

Meu amor da Rua Onze,
Já não quero
Mais mentir.
Meu amor da Rua Onze,
Meu amor da Rua Onze,
Já não quero
Mais fingir.

Era tão grande e tão belo
Nosso romance de amor
Que ainda sinto o calor
Das juras que nós trocámos.

Era tão bela, tão doce
Nossa maneira de amar
Que ainda pairam no ar
As vezes promessas, que fizemos.

Nossa maneira de amar
Era tão doida, tão louca
Qu´inda me queimam a boca
Os beijos que nos roubámos.

Tanta loucura e doidice
Tinha o nosso amor desfeito
Que ainda sinto no peito
Os abraços que nós demos.

E agora
Tudo acabou
Terminou
Nosso romance
Quando te vejo passar
Com o teu andar
Senhoril,
Sinto nascer
E crescer
Uma saudade infinita
Do teu corpo gentil
de escultura
Cor de bronze
Meu amor da Rua Onze.

Agualusa e Mia Couto na Bienal do livro de São Paulo

O Salão de Ideias é um dos destaques da programação cultural da tradicional Bienal do Livro de São Paulo. O Salão é um espaço de discussão de temas diversos, geralmente em formato de mesas-redondas.

No dia 21/08/2010 (sábado), às 19:00, o angolano José Eduardo Agualusa e o moçambicano Mia Couto estarão numa mesa-redonda intitulada Lusotropicalismo, cujo foco é “mergulhar no mar de histórias da língua que une África, Brasil e Portugal”.

Acesse a programação da Bienal e prestigie o Salão de Ideias.

Projeto Tsikaya- músicos do interior de Angola

Do twitter do Ondjaki, escritor angolano, recebi a dica do projeto Tsikaya. Trata-se de um mapeamento dos músicos do interior de Angola. A página possui informações sobre os músicos, comentários sobre os instrumentos utilizados, áudio, vídeos e imagens belíssimas dos músicos e seus instrumentos.

Um verdadeiro deleite.

Pedro Rosa Mendes – Baía dos Tigres

Um post para desengavetar um velho texto.

Os cegos: vêem algo?
— Uma cara de mulher, lisa à perspectiva das mãos.
— O cheiro molhado da chuva que se aprendeu de ouvido.
— Lembro muito um carro azul, não era meu, uma bicicleta que era, uma casa.
— O caminho para casa.
— Tinha um rádio de plástico e um pente vermelho.
— O mato calmo e de repente o fogo a saltar-me dos pés. O incêndio da bomba correndo em mim, sim.
— Estou mesmo numa vida escura. Desculpe, mas nada.
— A paz é a nossa recompensa.
O perdão, o prêmio do líder que os mandou combater.
— Deixei de o ver quando perdi os olhos. Agora acompanho-lhe a voz. Não consigo fazer uma frase da cara dele, mas uma palavra sim: forte, alto. Não é?

O dia é 22 de setembro de 2008. Acabo de chegar em casa e vejo que os Correios me entregaram o Baía dos Tigres, livro do português Pedro Rosa Mendes que há muito queria ler. Quando comecei, entendi rapidamente que o desejo não era gratuito. Livro digestivo, apesar das mais de 400 páginas, desses que a gente devora numa sentada. Quisera eu escrever algumas notas já assim, minutos depois de o ter em mãos, mas minha sentada durou até a página 57. Um pedaço da página, embaixo, estava arrancado, de tal forma que o conteúdo ali estava perdido. Liguei para o sebo e eles me devolveram o dinheiro no outro dia, deixando-me ficar com o livro. Segui a leitura. Valeu a pena. O escritor angolano José Eduardo Agualusa, com palavras melhores que as minhas, fez o trabalho de nos apresentar a obra:

Em 1977, Pedro Rosa Mendes propôs-se realizar uma viagem impossível: a travessia do continente africano, por terra, “De Angola à Contracosta”. Tratava-se pois de cumprir o famosíssimo trajecto de Capello e Ivens, um século depois, muitas guerras depois, através de estradas já mortas e campos semeados de minas. Este livro não se resume ao relato dessa aventura. Ele constrói-se a partir das histórias, narradas na primeira pessoa, dos extraordinários personagens que Pedro Rosa Mendes descobriu. Heróis anónimos, habitantes dos limites da vida, a também monstros, estranhos monstros, reiventando o horror no seu vasto território de sombras. Portugal precisava de um livro como este. Um livro capaz de justificar todo um passado comum de errância pelo mundo e de renovar a chamada literatura de viagens. Neste caso, grande literatura.

A jornada que empreendemos com a Baía de Rosa Mendes vale mesmo a pequena frustração de perder um pedaço de página, de texto, da própria viagem, como se cochilássemos naquele trajeto do qual, como tantos outros da estrada toda, nos diriam: lindo, perdeste.

Foi no dia 22 de setembro de 2008.

Ricardo Adolfo – Um bife com batatas, arroz e pão

Querer, querer, queria ser vagabundo. Era sempre isso que pensava quando era pequeno. Não queria ser bombeiro, piloto, cientista, jogador da bola, pescador nem marinheiro. Não, queria ser vagabundo e isso parecia-me fascinante. No entanto, nunca o confessei.

Ricardo Adolfo nasceu em Luanda em 1974. Cresceu nos arredores de Lisboa, licenciou-se em Marketing e Publicidade e vive em Amsterdã. Publicou:

  • Depois de Morrer Aconteceram-me Muitas Coisas (2009;  Objectiva)
  • La Peluquera De Lisboa (2008;  SUMA)
  • Mizé (2006; Dom Quixote)
  • Os Chouriços são Todos para Assar (2003; Dom Quixote)

O texto acima é um excerto do belíssimo conto “Um bife com batatas, arroz e pão“, de seu primeiro livro, Os Chouriços são Todos para Assar. Uma das minhas mais gratas descobertas de 2009.

Os Chouriços são Todos para Assar